quinta-feira, 19 de junho de 2014

"Persuasão" - A música como forma de aproximação nas obras de Jane Austen - parte 2


"...Na música, habituara-se a sentir-se só no mundo..."

     Quando leio essa frase, é claro que não levo "ao pé da letra"; de forma alguma a música lhe traria solidão, intendo que Anne, uma moça de personalidade muito introspectiva e observadora, tinha na música sua companhia. Sendo assim, enquanto tocava, "conversava" com o piano e consigo mesma; poderia escolher o repertório que mais lhe agradava e convinha de acordo com seus sentimentos e pensamentos do momento e não precisaria de mais ninguém. Isso tornou-se um hábito em sua vida onde a única confidente era Lady Russell. 
     Muitos conhecidos, mas amigos escassos!

   Na obra "Persuasão", há várias passagens onde a música aparece como tema: desde a companhia para a solidão, para alegrar quem está triste, animar os serões, para um compromisso de gala ou para um encontro.    
    Na casa dos Musgrove,  Louise e Henrietta tocavam harpa (instrumento também muito popular na época, embora não tanto quanto o piano), mas em uma época onde não haviam gravações, era muito raro uma casa onde não houvesse pelo menos um músico, independente do instrumento escolhido. 
     Sem música não havia vida social naquela época.
    É bem interessante perceber tal detalhe: a música era primordial na vida das pessoas!


A música como união na casa dos Musgrove
   Assim, dirigiram-se à Casa Grande, onde se sentaram durante meia hora na antiquada sala quadrada com um tapete pequeno e o chão brilhante, a que as filhas da casa estavam, pouco a pouco, a dar um ar de confusão com um piano, uma harpa, floreiras e mesinhas colocadas por todo o lado.(pág. 20)


Anne, era melhor musicista que as meninas Musgrove
     ...Ela tocava bastante melhor do que qualquer das meninas Musgrove; mas, não tendo voz, não sabendo tocar harpa e não possuindo uns pais babados que a escutassem, deliciados, raramente lhe pediam que tocasse e quando o faziam, ela sabia que era só por delicadeza ou para permitir que as outras descansassem. (pág. 23)

A música, companheira de Anne
...Ela sabia que, quando tocava, dava prazer apenas a si própria; mas esta não era uma sensação nova: com exceção de um breve período da sua vida, desde os 14 anos, desde que perdera a sua querida mãe, ela não conhecia a felicidade de ser escutada ou encorajada por uma apreciação justa ou um verdadeiro bom gosto. (pág.23)


Anne como pianista, vista com indiferença
...a afetuosa parcialidade do Sr. e da Sra. Musgrove em relação à execução das filhas e a sua total indiferença pela de qualquer outra pessoa causavam-lhe muito mais satisfação por causa delas do que tristeza por si própria. (pág. 23)

A música era convidada de honra nas reuniões em Upercross

...Por vezes, vinham juntar-se outras pessoas ao grupo reunido na Casa Grande. A vizinhança não era numerosa, mas os Musgrove eram visitados por toda a gente e davam mais jantares e tinham mais visitas, convidadas ou ocasionais, do que qualquer outra família. Eles eram muito mais conhecidos e estimados. As meninas adoravam dançar, e os serões terminavam, ocasionalmente, com um pequeno baile improvisado. Havia uma família de primos a pouca distância de Uppercross, em circunstâncias menos abastadas, que estavam dependentes dos Musgrove para todas as suas diversões; eles podiam aparecer em qualquer altura, ajudar a tocar qualquer coisa ou dançar em qualquer lado...(pág.23/24)

A prontidão de Anne em tocar para agradar, chama a atenção

...Anne, que preferia o trabalho de músico a uma ocupação mais ativa, tocava músicas populares durante horas seguidas; uma amabilidade que, mais do que qualquer outra coisa, chamou a atenção do Sr. e da Sra. Musgrove para o seu talento musical e provocava frequentemente um elogio:
- Muito bem, Anne! Muito bem! Meu Deus! Como esses seus dedinhos voam!(pág.24)

As Srtas. Musgrove e Anne: A harpa ou o piano?

- Eu já vos conto a razão - acrescentou ela. – Vim avisar-vos de que o papá e a mamãe estão muito abatidos esta noite, especialmente a mamãe; ela não deixa de pensar no pobre Richard! E concordamos que seria melhor ter a harpa, pois parece distraí-la mais do que o piano.(pág.25)

A música não poderia ter faltado na apresentação do Cap. Wentworth
...O cunhado e a irmã regressaram encantados com o seu novo conhecimento e a visita em geral. Tinha havido música, canções, conversa, riso, tudo extremamente agradável; o comandante Wentworth tinha modos encantadores, sem qualquer timidez nem reservas; pareciam ser todos velhos conhecidos, e ele viria caçar com Charles na manhã seguinte.(pág. 29)

A música, mais uma vez, como companhia para Anne
...Quando lhe foi proposto, Anne ofereceu os seus préstimos, como de costume e embora os seus olhos se enchessem por vezes de lágrimas enquanto estava ao piano, ficou muito satisfeita por estar ocupada e não desejou mais nada em troca a não ser passar despercebida.

...Foi uma festa alegre, e ninguém pareceu estar mais bem-disposto que o comandante Wentworth. Ela achou que ele tinha todos os motivos para se sentir satisfeito, nomeadamente a atenção e a deferência gerais e, principalmente, a atenção de todas as jovens.(pág.35)

Anne preferia mais tocar do que dançar

...Uma vez ela sentiu que ele estava olhando para ela observando o seu rosto transformado, tentando, talvez, ver nele os vestígios do rosto que outrora o encantara; e uma vez ela soube que ele devia ter falado nela...ele perguntara ao seu par se a Srta. Elliot nunca dançava. A resposta foi:
Oh! não, nunca, há muito que ela deixou de dançar. Ela prefere tocar. Nunca se cansa de tocar. (pág.36)


O lugar de Anne era ao piano
- Uma vez, ele falou-lhe. Ela tinha deixado o piano quando o baile terminou, e ele sentara-se a dedilhar uma ária de que desejava dar uma ideia à Sra. Musgrove. Sem pensar, ela voltou a essa parte da sala; ele viu-a e levantando-se imediatamente, disse com uma delicadeza estudada:
- Perdão, minha senhora, este é o seu lugar. E, embora ela se tivesse afastado logo com uma negativa firme, ele não voltou a sentar-se. Anne não queria que ele voltasse a olhá-la ou a falar-lhe assim. A sua delicadeza fria e a sua atitude cerimoniosa eram piores que a indiferença total.(pág. 36)
Essa passagem linda e tão "ponto chave"
na indiferença de Wentworth para com Anne,
não aparece  na versão de de 2007.

Cap. Wentworth gostava muito de música

...Era um concerto a favor de uma pessoa protegida de Lady Dalrymple. Claro que eles tinham de ir. Esperava-se que fosse um bom concerto, e o comandante Wentworth gostava muito de música. E imaginava que ficaria satisfeita se conseguisse conversar durante alguns minutos com ele; sentia-se com coragem para lhe dirigir a palavra, se a oportunidade surgisse. (pág. 88)

Que emoções poderia um momento musical trazer?

...Os outros regressaram, a sala voltou a encher-se, os lugares foram reclamados e ocupados, e ia seguir-se outra hora de prazer ou de castigo, outra hora de música para deliciar ou provocar bocejos, conforme prevalecesse o gosto real ou afetado de cada um. Para Anne, ela continha principalmente a perspectiva de uma hora de agitação. Não podia sair tranquilamente da sala sem voltar a ver o comandante Wentworth, sem trocar com ele um olhar amigável. (pág. 93)



     Vejamos pelo seguinte lado. Como seria toda essa trama sem o fundo que a Arte Musical nos dá? Desde os momentos de indiferença de Wentworth, dos Musgrove pelo fato de Anne mais tocar do que dançar, da companhia para sua solidão até o desfecho que envolve o tal encontro (desencontro) no Concerto? Sem graça total, não é? E você o que acha?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não esqueça de deixar seu comentário, estou esperando por ele!